Sim, o título é imenso, assim como o post, mas chegou a hora. Depois de seis meses jogando, mestrando e lendo sobre Pathfinder 2E, posso escrever com confiança em saber do que estou falando. Dungeons & Dragons e Pathfinder são jogos, obviamente, muito similares: os dois são Role Playing Games que contam histórias de fantasia medieval fantástica, com guerreiros, magos, goblins, orcs e dragões. Mas os sistemas que rodam por baixo da história e são o motor das campanhas e aventuras são bem diferentes, e o post de hoje é para comentar as diferenças, os prós e os contras, e contar como foi a transição do meu grupo de 5E.
As semelhanças
Vamos começar com as semelhanças: os dois sistemas tem um ancestral comum, o D&D 3.5, e os fundamentos essenciais estão lá: roladas de d20, testes de perícias, saving throws e os seis atributos (For, Des, Con, Int, Sab, Car). Os dois tem sistemas de classes e raças (chamadas de ancestralidades no PF2), ambos tem backgrounds com mecânicas, magias, perícias, magia vanciana (prepara e esquece). Ambos os jogos também tem um núcleo que tenta simplificar o jogo, deixar ele mais dinâmico, e dar poder de controle do jogo ao DM/GM.
As diferenças
A economia de ações: essa é a maior diferença e de longe a grande melhoria de Pathfinder Segunda Edição. Parece simples, mas é a pedra fundamental do balanceamento do sistema e o que deixa o jogo contido e taticamente interessante. Ao invés de ter um movimento, uma ação e uma ação bônus, todos os personagens tem três ações em seu turno, para usar como quiserem. Podem ser três movimentos, três ataques ou três magias, embora com limitações para as duas últimas: ataques depois do primeiro recebem um a penalidade incremental de -5, e magias em geral requerem duas ações.
Algumas ações mais interessantes podem custar múltiplas ações (como ataque poderoso), e ações simples que são ações bônus ou ações livres em 5E custam uma ação inteira em Pathfinder, como pegar ou beber uma poção, abrir uma porta, ou erger seu escudo.
Matemática de bônus e penalidades: A matemática do jogo é (por enquanto, sem os múltiplos suplementos) bem amarradinha, e qualquer bônus ou penalidade de +1 ou -1 fazem a diferença. Com isso, não existe o (excelente) sistema de vantagem e desvantagem da 5E, que equivalem mais ou menos a um +4/-4 em média. O antigo esquema de categorizar/nomear os modificadores para saber se eles se somam da 3E está presente: por exemplo, múltiplas magias que provêem status bônus não se somam, somente o maior modificador se aplica. Por enquanto, não existem muito desses modificadores. Agora, conseguir qualquer +1 parece muito mais recompensador, mas requer gerenciar pequenos modificadores.
Por outro lado, o Pathfinder trás algo do D&D 4E que tanto eu, mas principalmente o Davi Salles, meu co-host do poscast, já criticou no passado: a inflação dos números alvo. Como a proficência em PF2 soma o nível dos personagens (e não um número tabelado de +1 a +5 como na 5E), personagens de nível alto terão Classes de Armadura onde monstros de nível baixo nunca conseguiriam acertar, e vice-versa: monstros de nível alto simplesmente acertam com críticos com qualquer número os personagens de nível baixo. Isso é inconveniente porque a 5E te dá um alcance muito maior de oponentes e armadilhas. Com personagens de nível 5 por exemplo, no D&D, dá para usar monstros de nível 1 a nível 10 de maneira bem consistente, enquanto PF2 te limita a dois níveis acima e abaixo.
Esse mecanismo tem uma vantagem, no entanto: como na 4E, isso dá um senso de heroísmo épico nos níveis mais altos. Se escalar a montanha de gelo de Auir tem DC 30, isso é algo impossível no nível 1, difícil para especialistas no nível 5, mas parte do dia-a-dia para personagens de nível 15. Mas, no geral, vejo isso como uma desvantagem do sistema.
Paralelo a isso, temos o fato que PF2, como a maioria dos jogos de RPG mais modernos, tem graus de sucesso. Em geral, quatro (sucesso, falha, sucesso crítico, falha crítica), que se aplicam para ataques, magias, efeitos, armadilhas, doenças, venenos, etc. Rolar 10 pontos acima ou abaixo do alvo faz o resultado ser crítico, 20 natural melhora o grau de sucesso em um e 1 natural piora o grau em um (obrigado Veritrax pela correção). Por exemplo, se o inimigo tem AC15, e você rola +7 pra acertar, você faz críticos com 18, 19 e 20 . Se você flanquear o inimigo, o AC dele reduz em -2 para AC13, e agora você tem acertos críticos com 16 ou mais, o que é muito legal. Mas isso se aplica para os oponentes também, e especialmente os níveis baixos críticos assim podem ser mortais. Vale a mesma coisa para falhas críticas. Se o teste de diplomacia para convencer o Xerife é DC20, e você tem um bônus de +3, 6 ou menos no dado é um erro crítico e pode te levar pro xilindró. Se o DC fosse 25, nem com 20 natural você conseguiria críticos (mas seria um sucesso normal, mesmo com total 23).
Proficiência: o sistema de proficiência se parece um pouco com o da 5E, mas com uma diferença, ele possui gradações (treinado, especialista, mestre e legendário), e todas as características do jogo são atrelados a uma proficiência. Por exemplo, você pode ser mestre em testes de fortitude, mas somente treinado em testes de reflexos. O guerreiro é especialista em todas as armas desde o nível 1, e dá pra sentir como ele é realmente melhor que todo mundo com armas marciais. Somente algumas classes chegam a lengendário em características específicas, o que dá mais sabor para as classes.
Feats/Talentos e Personalização do Personagem: é aqui onde Pathfinder realmente brilha. Desde o primeiro nível, o sistema de talentos dá muitas opções de personalização do seu personagem. Ao invés de ter um único grupo de talentos (o que faz as escolhas tenderem para somente talentos úteis em combate), PF2 tem talentos de vários tipos:
- Classe: abrem novas opções ou melhoram habilidades que somente a sua classe pode escolher.
- Perícia: abrem novos usos ou expandem o uso das suas perícias. Por exemplo, diplomacia funciona em múltiplas pessoas, ou você pula mais longe com Atletismo.
- Ancestralidade: abrem novas habilidades específicas da sua ancestralidade. Por exemplo, anões podem ganhar resistência à venenos, e humanos podem ser ainda mais versáteis.
- Gerais: talentos genéricos como mais pontos de vida ou línguas adicionais
Ao invés da grande escolha do seu “build” da 5E, que típicamente acontece no nível 3 e te carrega até o final, todo o nível te dá escolhas interessantes que de fato deixam seu personagem diferente de todos os outros. Em PF2, dois elfos, guerreiros, que foram ferreiros, podem se comportar mecanicamente diferentes e ter abilidades distintas somente por conta dos talentos, e essa personalização só aumenta a cada nível. Talentos em 5E são pequenas melhorias de poderes, com alguns sendo obviamente melhores que outros, que raramente fazem um personagem único, com poucas exceções.
Não precisa de D&D Beyond: ter um suporte ferramental online é muito legal, mas Pathfinder tem um excelente suporte não-oficial: como o jogo ainda segue as licenças Open Gaming, todas as regras estão disponíveis online, e sites como Pathfinder Easy Library faz o jogo andar bem rápido sem consultas a livros. Além disso, todos os livros estão disponíveis em PDF oficialmente, e são baratos: o Core Rulebook, o monstro de 600+ páginas, custa $15, metade do que o D&D Beyond te cobra pra ter só o Player’s Handbook.
As regras também estão disponíveis para Roll20 e Fantasy Grounds, como as da 5E. Se você comprar o PDF no site da paizo, ganha os $15 de volta para comprar o módulo no Roll20 ou Fantasy Grounds (ou o contrário: compre o módulo da sua VTT de preferência e ganhe o PDF).
No meu grupo
Meu grupo tem desde veteranos do RPG como a Dani Toste, e jogadores mais casuais como meu vizinho Tom. A transição para ambos foi relativamente suave, embora os primeiros combates foram um pouco lentos até a gente pegar a manha das três ações. Algumas mudanças como não ter mais testes ativos de Percepção demora para se acostumar, mas o jogo flui bem. Os hero points e críticos constantes são divertidos, e agora no nível 3 os jogadores estão começando a se sentir mais à vontade com suas habilidades.
Como GM, não sinto que preparar aventuras é nem mais simples nem mais complexo, mas bem similar. Como na 5E, monstros não tem ficha de personagens, o que me dá liberdade para adaptar e criar sem ficar muito preso. Gosto de ter mais itens mágicos, especialmente consumíveis, para distribuir, e ainda não usamos o sistema de downtime (mas parece divertido).
Resumindo
As mudanças são a maioria positivas, e eu não consigo me ver mestrando D&D se puder usar Pathfinder, para um jogo mais clássico/tático, ou 13th Age, para um jogo mais narrativo. Fico no aguardo da 6a edição!
Algo que não mencionei mas faz parte desse meu entuasiamo é o excelente suporte da Paizo à sua linha de produtos: eles estão lançando aventuras, suplementos e acessórios num passo muito mais rápido que a WotC, com sua estratégia de 4 livros por ano. Além disso, Golarion anda mais consistente que Fae-Rûn, que só teve acontecimentos na Sword Coast pelos últimos cinco anos (e Moonsea se contar a Adventurer’s League), e ler/aprender sobre o cenário tem sido uma diversão à parte. Posso falar mais sobre Golarion num futuro post.
Faltam 5 dias para a pré-venda do do Pathfinder 2 em português via Catarse terminar. Não vi a versão em Português, mas ouvi coisas boas sobre a tradução. Se algum dia eu ter acesso, dou minha opinião por aqui, mas o fato da New Order ter levado pro Brasil meus dois RPGs favoritos de fantasia (13a era e Pathfinder) me diz que eles estão no caminho certo.
Por favor, se chegou até aqui, deixe seu comentário com feedback e o que quer saber mais ou ler em próximos posts. E rolem 20!