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Resenha

Dungeons & Dragons: O Império da Imaginação

Lembro que foi no ano de 1999 que tive o meu primeiro contato com o RPG. Foi num intervalo de aulas no ensino médio, com um amigo mestrando 3D&T ambientado em Matrix (que eu não havia assistido ainda… pensando bem, foi também o meu primeiro contato com spoilers). Me fascinava na época toda a temática cyberpunk, por isso a minha primeira dúvida por onde começar era: Comprar o ‘Cyberpunk 2020’ ou ‘Shadowrun’? Shadowrun. E de cara, torci bastante o nariz para os componentes místicos do cenário, algo que eu sempre tentava ignorar quando mestrava. E mantive esse estigma, na minha cabeça era impossível ter profundidade em meio a uma ambientação tão inverossímil. Até que em 2001 decidi comprar o volume único da trilogia O Senhor dos Anéis. Na mesma época, passei um mês internado num hospital para tratar de um tumor na mandíbula, e o livro foi o meu passaporte para uma realidade o mais distante possível das claustrofóbicas paredes do hospital. Naqueles 30 dias Tolkien demoliu por completo qualquer muralha de inverossimilhança que eu pudesse ter cimentado ao longo de 19 anos, me deixando completamente atordoado, e com a certeza de que eu nada entendia sobre o universo de fantasia medieval.

Foi então que tive o primeiro contato com o D&D, lá pouco depois do lançamento da terceira edição que ocorrera no ano 2000. Naquela época tudo era muito mais complicado. Passei dias no escritório de um tio imprimindo o SRD com as regras numa impressora matricial. Tudo isso para encadernar e depois tentar se virar para ler todo aquele material em inglês, pra poder ‘começar’ a jogar (e digo isso sem qualquer saudosismo, acredite). Tive a sorte de começar a jogar com amigos que eu amava e possuíam diferentes perfis de jogador, entre os quais, o jogador que o Anand costuma chamar de Munchkins. Esse uso abusivo das regras, aliado a personagens cuidadosamente maximizados, me fez ter um abuso incrível do uso do grid e de miniaturas (que na época eram apenas fichas e moedas de um e cinco centavos). O metagame acabava ficando maior do que a história, e isso me aborrecia. Além disso, achava as aventuras prontas um saco para mestrar quando se tratava das malditas dungeons.

Para encurtar a conversa, e passar para o objetivo do texto em si, passei alguns anos afastado do RPG (bem-vindo à vida adulta), e fiquei também afastado do D&D. Não ajudava em nada o fato de tudo eu que lia e ouvia da 4E: mais tática, combativa e próxima dos MMORPGs. Levei alguns anos até resolver dar uma chance a 5E, e por que não dizer? Dar uma nova chance a mim mesmo, ao RPG, as aventuras prontas, às dungeons e tudo mais. E foi assim que me redescobri aos 33 anos de idade, e comecei a entender algo fundamental que havia faltado no hiato de todos esses anos. Foi mais ou menos como puxar uma ponta solta de um longo novelo que se arrastava por anos até a essência do que eu realmente era.

Escrevi tudo isso a cima por duas razões:

  1. Se você, de alguma forma, esteja onde estiver, no tempo ou no espaço, se identifica com alguma parte de tudo que eu escrevi acima, você deveria muito reservar um tempo para ler esse livro (eu fiz isso em 2 dias).
  2. Se você é ou foi DM, ou de alguma forma, se apaixonou em algum momento da sua vida pelo RPG, é uma obrigação ler esse livro.

Eu já havia feito as pazes com todos os elementos que eu não gostava de D&D, e ao longo do livro isso me fez entender de uma maneira ainda mais consciente os porquês. Trata-se de uma grande viagem por todo o mosaico do que foi e ainda é o RPG. Entender a sua história é algo tão elucidativo para o contexto atual quanto foi ler o Silmarillion para entender o contexto da mitologia da fantasia medieval. E não, o jogo não nasceu de um ‘estalo criativo’, onde o campeão de um exército desafia o campeão do exército inimigo. A história do jogo é um amálgama de vários anos de tentativa e erro, de uma infância de incursões por corredores de sanatórios, da leitura de quase todos os livros impressos de espada e feitiçaria das décadas de 30-40, e da fundição de pelo menos três ou quatro jogos que dariam origem a algo completamente novo e ainda sem nome. Sem sombra de dúvidas o nascimento do RPG foi um parto trabalhoso e improvável.

“Os livros, eu escrevo porque quero lê-los; os jogos, porque quero jogá-los; as histórias, eu conto porque pessoalmente as acho fascinantes […] Eu gostaria que o mundo se lembrasse de mim como o cara que realmente gostava de jogos e de compartilhar seu conhecimento e seus passatempos com todo mundo.”
– Gary Gygax

O início do livro pode parecer um pouco chato, uma vez que dá um salto temporal para a infância de Gary Gygax, mas ao decorrer de sua vida, fica evidente a influência que cada pequena coisa dentro do legado que foi mostrar ao mundo o potencial que os jogos têm de unir a humanidade. E é quase impossível não traçar paralelos entre os contextos dos surgimentos da primeira e quinta edições, assim como entender de uma forma mais clara os elos comuns entre elas.

Quer entender a importância das táticas e miniaturas? Qual o frisson por trás de uma dungeon? Como nasceram as principais convenções mundiais? De onde veio o nome Dungeons & Dragons? Como nasceu a Dragon? Por que o RPG esteve associado ao satanismo? Como nomes como Orson Welles e H. G. Wells estiveram ligados ao RPG? Como ser uma das mentes mais prolíficas do RPG do mundo tendo seis filhos? Tudo isso, e muito mais, você vai encontrar aqui.

 

Por Rafael Moraes

Mestre à procura de jogadores 1d100% tão dedicados quanto os narradores/DM’s
Atualmente transita entre os estados de PE, PB e RN.